Relatório recomenda
remover aldeias e alagar área indígena para construir usinas no Tapajós.
Estudo de Componente
Indígena apresentado no Ibama contraria a Constituição e exclui índios
Munduruku do diálogo. Leilão foi adiado.
O recorte (com manchete e tudo) é do blog, Rastilho de Pólvora. Por Felipe Milanez —
publicado 25/09/2014 14:54, última modificação 25/09/2014 17:46
O Ministério de
Minas e Energia adiou, no último dia 17, o leilão da Usina Hidrelétrica São
Luiz do Tapajós, no Pará, alegando a necessidade de adequar estudos indígenas.
Era o mínimo a ser feito, tendo em vista que, desde a construção da Usina
Hidrelétrica de Balbina, em Presidente Figueiredo (AM), um projeto tão violento
e ilegal contra os índios e, portanto, contra a sociedade brasileira, não
acontecia no Brasil. Para construir a Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós,
no Pará, além de alagar terras indígenas, o governo cogitava remover três aldeias
do povo Munduruku, contrariando o artigo 231 da Constituição Federal.
Como disse o goleiro
Aranha, no caso de racismo de que foi vítima diante da torcida do Grêmio:
“muita gente sofreu para que hoje isso estivesse na lei”. No caso da remoção
para barragens, há uma analogia. Quem sofreu para que a lei a respeito deste
tema fosse criada foram, por exemplo, os Waimiri Atroari. Na época, durante o
regime de exceção, a ditadura cumpriu a lei – havia uma previsão legal que
permitia a remoção compulsória de povos indígenas no Estatuto do Índio (Lei
6001/73). Depois do sofrimento de muita gente, vieram os direitos
constitucionais. No parágrafo quinto do artigo 231, a Constituição veta a
remoção, e as únicas exceções possíveis são o caso de epidemia e catástrofe,
ainda assim com referendo do Congresso Nacional. E os removidos devem retornar
ao seu território em seguida.
O Ibama acabou de
receber os Estudos do Componente Indígena referente à UHE São Luiz do Tapajós.
O documento contraria diversos...
direitos indígenas.
Além de tudo, parece
ser cruel e mórbido, pois tenta fazer crer que os próprios indígenas estão de
acordo com o que vai acontecer com eles. Aparentemente, o estudo foi realizado
sem que a antropóloga responsável sequer pisasse em uma terra indígena para
avaliar os impactos, e sem a consulta aos indígenas, como prevê a legislação
internacional – temas que estão sendo, inclusive, debatidos na Assembleia da
ONU em Nova York, onde Dilma Rousseff discursou ontem.
Seriam afetadas as
Terras Indígenas Praia do Mangue e Praia do Índio e as Áreas km 43 (Sawré
Apompu), São Luiz do Tapajós (Sawré Jiaybu), Boa Fé (Sawré Maybú, Sawré Dace
Watpu e Sawré Bamaybú), além de indígenas e ribeirinhos que vivem nas vilas
Pimental e São Luiz do Tapajós. Escreve a antropóloga que assina o laudo que
“As manifestações diretas dos Munduruku foram coletadas junto a indivíduos e
lideranças da etnia que se propuseram a conversar e participar de entrevistas
informais fora de suas terras e em locais sempre determinados por eles.” Ou seja:
o estudo antropológico do componente indígena é realizado “à distância”.
Acontece que os
Munduruku haviam solicitado participar "como interlocutores durante o
trabalho da equipe, decisão de escolha feita pelo(s) cacique(s)”, e os caciques
não foram consultados. Os indígenas haviam pedido também que houvesse mais
tempo e esclarecimentos, o que foi ignorado pela equipe de pesquisa. A Funai
não participou nem acompanhou os trabalhos, o que também era uma exigência dos
indígenas. As entrevistas que a antropóloga diz ter feito foram realizadas na
cidade de Itaituba (PA), sem os devidos esclarecimentos, antes da reunião de
apresentação da equipe e, obviamente, sem a decisão de escolha pelo cacique.
Alguns indígenas disseram ter entendido que as antropólogas estavam trabalhando
para a Funai, pela forma como elas explicaram sobre o trabalho que estavam
fazendo.
Para piorar, os
Munduruku temiam que aldeias seriam alagadas e removidas, conforme dizia um
boato que circulava na região, mas não puderam participar das discussões sobre
o projeto.
Os fatos mais
agressivos contra os povos indígenas contidos no estudo são os seguintes:
O reservatório se
estabelecerá com o nível médio de água na cota 50 m, o que implica que as três
aldeias relacionadas à Boa Fé (Dace Watpu, Sawré Maybú e Karu Bamaybú) serão
afetadas diretamente, cabendo, portanto, ações de relocação das mesmas. Essa
passagem está na página 229. As aldeias ficarão literalmente debaixo d'água
Se São Luiz for
construída, os Munduruku ainda vão perder áreas de cultura (roças, açaizais,
etc.), terão alterados os locais para pesca, vão perder recursos alimentares,
terão alterados locais de caça, locais de coleta de produtos vegetais e das
espécies de pescado. Não serão poucas mudanças nas suas vidas que eles terão que
enfrentar.
Os estudos do
componente indígena foram protocolados no Ibama no dia 11 de setembro, feitos
pela empresa Cnec Worleyparsons Engenharia S/A, e coordenados pela antropóloga
Marlinda Melo Patrício. Dois biólogos também integram a equipe, contra a
vontade dos indígenas, que apresentaram restrições ao trabalho de biólogos
dentro da área.
Recentemente, a
Sociedade Brasileira de Arqueologia se posicionou de forma contrária ao
licenciamento do projeto e cobrou uma postura ética de pesquisadores para o
empreendimento, em carta publicada aqui no blog.
A Terra Indígena
Sawré Muybu, que será impactada, onde estão aldeias que terão de ser removidas,
ainda não foi demarcada pela Funai, que senta em cima do processo há anos, numa
velocidade evidentemente oposta a da realização dos “estudos” para a construção
das usinas. O Ministério Público Federal entrou com uma ação civil pública na
Justiça Federal de Itaituba contra a Funai e a União Federal pela demora na
demarcação desta terra, uma de ocupação tradicional do povo indígena Munduruku,
localizada nos municípios de Trairão e Itaituba/PA, no médio curso do rio
Tapajós. O procedimento se arrasta há 13 anos e foi paralisado
inexplicavelmente ano passado, quando quase todos os trâmites administrativos
já estavam concluídos.
O Ibama enviou o
Estudo do Componente Indígena para a Funai, e é difícil que os técnicos
responsáveis pelo licenciamento deixem passar essas ilegalidades nas análises.
Politicamente, no entanto, pode ser que a Funai repita o mesmo erro histórico
que cometeu em Belo Monte: desconsiderar a opinião técnica de seus funcionários
para autorizar obra de interesse do governo, mesmo que seja contrária aos
direitos indígenas. Esses funcionários da Funai, e que portanto trabalham para
o Estado (e não para um governo), e são comprometidos com a defesa dos direitos
constitucionais das sociedades indígenas, devem ter em mente que esta luta pelo
direito é uma luta em defesa de toda a sociedade.
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